Na nossa
escola, a professora desta atividade não lhe quis chamar teatro, mas também não
lhe quis chamar expressão dramática, porque no fundo, tudo o que iam trabalhar
não era nem uma coisa nem outra. Confundimos muitas vezes as palavras “teatro”
com “expressão dramática” e acabamos ainda por juntar as duas saindo um…
“teatro dramático”, sem nunca pôr em causa as suas definições.
Ora
começando pela palavra teatro, o dicionário português define-a como:
“Local destinado a jogos e espetáculos
públicos, na antiga Roma; Edifício onde se representam obras dramáticas;
Conjunto de obras dramáticas, geralmente de um autor, de um país, de uma época;
Arte de representar; Profissão de ator ou de atriz; Literatura dramática; Lugar
onde se passa algum acontecimento memorável, geralmente trágico; Aparência,
ilusão; Manifestação ou dramatização excessiva.”
Seguindo
pela palavra expressão:
“Ato ou efeito de exprimir; Manifestação de
pensamentos por gestos ou palavras; Modo de comunicar; Manifestação de um
sentimento ou de uma emoção; Carácter, sentimentos íntimos, manifestados pelos
gestos; Acção de espremer ; Extrair.”
E
terminando com drama:
“Peça de teatro de um género misto entre a
comédia e a tragédia; Acontecimento comovente; Peça teatral de assunto sério;
Narrativa viva e animada de acontecimentos notáveis em que há agitação ou
tumulto; Desgraça.”
São
estes os termos que rondam em volta desta atividade mas não são estes os
conceitos que trabalhamos na mesma, certo? Percebemos que o teatro está
associado a um espaço e à arte de representar por profissionais da área onde
nascem acontecimentos trágicos de dramatização expressiva. Entendemos que a
expressão é uma manifestação de inquietudes do âmago, emoções intrínsecas que
permitem uma comunicação maior entre pares, e ainda, que o drama é uma ação
teatral ligada a um mundo mais trágico e negativo. Não queremos de todo gerar
uma experiência tão pesada para crianças cujo centro de atenção está nas
brincadeiras e jogos.
E é esta a palavra-chave para esta atividade, jogo!
E é esta a palavra-chave para esta atividade, jogo!
Porquê
jogo?
A língua
inglesa usa-o e não poderia existir um melhor termo para explicar o que trabalhamos
efetivamente nesta área.
Play em
inglês significa jogar, desempenhar um papel, tocar um instrumento, pregar uma
partida, peça teatral e até brincadeira. E aqui podemos juntar imensas outras
palavras como “jogar seguro”, “jogar à bola”, “jogar consigo próprio”, “jogar
com os outros”, “jogar aos pais e às mães”, “jogar de forma justa”, “jogar em
redor”, “jogar às cartas”, “jogar às profissões”, etc..
São
tantas as experiências que podemos proporcionar através de jogos que a palavra
certa para esta atividade seria mesmo essa. Jogo.
Assim
começou o ano letivo, e a primeira coisa que aprenderam foi exatamente essa:
O “Teatro” é um espaço onde podemos ser o que
nós quisermos e brincar sem limites. Ali todas as propostas são válidas e os
jogos são o centro dos nossos dias.
Este foi
o ponto de partida, porque no fundo a forma como brincam e jogam durante este
tempo é inteiramente deles, é livre, espontânea e acima de tudo faz com que
experimentem tudo sem que exista um certo ou um errado. E o teatro requer essa
experimentação diária para que a certa altura, quando chega o momento da criação,
já tenham caminhado por várias direções e já saibam escolher as características
e técnicas necessárias para aquele trabalho em específico. E na realidade tudo
o que os fez gerar essas ferramentas, foi a brincadeira em sintonia com os
diversos jogos.
Brincar – Expressar – Imaginar – Criar
Ainda
também no começo, conversaram sobre o epoché
e o quão importante seria este conceito a longo prazo. A explicação foi simples
e para eles, bastante prática. O epoché é
a suspensão do juízo sendo que a partir do momento em que trazemos este termo
para o nosso espaço de acontecimentos, deixamos de fora tudo aquilo que
conhecemos como críticas apreciativas.
Assim,
criámos uma nuvem imaginária onde tudo aquilo que achamos prejudicial à
prestação de cada um, se mantém por ali, acima das nossas cabeças abstraindo-os
desses entraves e melhorando o seu desempenho. Ali, deixamos os comentários
menos simpáticos, a timidez, o medo, a insegurança e tudo aquilo que cada um
sente que naquele momento não o vai ajudar, a si nem aos outros. E de repente o
epoché ganha forma e a observação do que está a acontecer cresce, porque aquilo
que procuram ver já não são os pontos fracos da prestação de cada um, mas sim
as conquistas e vivências individuais e de grupo e os impulsos que os fazem
querer ser o próximo a evidenciar-se.
E aqui
entendemos a diferença entre teatro e jogo. O teatro tem uma intenção de
representação e partilha para com um público e os jogos são brincadeiras que
promovem o prazer e a satisfação de cada um. Num fingimos emoções de forma
intencional, noutro criamos vivências e experienciamos emoções de forma plena.
Mas o
nosso objetivo não é utilizar estes métodos enquanto estratégias educativas ou
de apoio a outras áreas, porque assim estaríamos a forçar a aprendizagem e
perdia a sua espontaneidade. Claro que ser idealizado pelo adulto não é
completamente errado, simplesmente ganharia outro objetivo que não aquele que
pretendemos trabalhar nesta atividade.
Aquilo
que queremos conseguir é que cada um deles revele o que está guardado no seu
interior e o exteriorize sem que para isso tenhamos que passar por uma
apresentação pública ou tratamento de texto. Até poderíamos escolher uma peça e
trabalhá-la de acordo com as suas emoções, mas fazer por fazer não os leva à sua
evolução. Este tempo que é só deles, serve para pôr em funcionamento a sua ação
e imaginação, fazendo com que se conheçam e se revelem a si próprios e aos
outros. Não é nossa intenção praticar textos, intenções ou gestos, mas sim
contribuir para a construção do seu próprio ser.
Tudo o
que acontece em sala é inteiramente vivido e sentido por cada um deles, sem que
tenhamos que interferir na sua prestação. E assim, trabalhamos a exteriorização
do seu interior através do corpo, da voz e do movimento enquanto desenvolvemos
aspetos cognitivos, sociais, motores e afetivos da personalidade de cada
um. Conquistamos conceitos como “corpo”,
“espaço”, “atenção”, “disponibilidade”, “criatividade”, “imaginação”, “tranquilidade”,
“cooperação”, e unimos as ações de todos para conseguir um fim comum.
Brincar
é a atividade mais séria e mais importante da vida das crianças e a brincar
temos aprendido tanta coisa!
Todos os
dias são dias de experiências diferentes e todos os dias são dias ainda mais
ricos.
Claro
que haverá uma criação para vos mostrar, mas será um bocadinho de todos porque
foi exatamente aquilo que cada um quis trazer para cena que explorámos e vivemos
durante todas as nossas partilhas.