terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Os tablets e as crianças

Peritos defendem limitação do tempo de utilização de tablets em crianças 

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Os tablets só chegaram ao mercado há três anos, mas já conquistaram um número muito significativo de adeptos. Mais simples do que um computador convencional, são especialmente intuitivos para os mais novos, que com facilidade aprendem a consumir conteúdos ou jogar nestes aparelhos
Não havendo dispositivos intermediários como o rato de computador, restam os gestos: intuitivos, especialmente quando as interfaces de utilizador que predominam nestes aparelhos estão concebidas para adoptar uma abordagem mais simples do que num PC convencional. O potencial pedagógico que estes aparelhos representam, no entanto, parece dividir e preocupar os peritos na matéria, segundo reportou recentemente a Techland.
Em mercados como os EUA, por exemplo, a adoção dos tablets é muito superior à adoção em Portugal, sendo por isso mais comum que as crianças daquele território tenham maior facilidade de acesso a estes aparelhos. Empresas como a Samsung têm vindo inclusive a lançar propostas direcionadas para as audiências mais novas (a empresa lançou recentemente uma variante para crianças do seu Galaxy Tab).
O facto de ser uma categoria de produto relativamente nova  ainda não reuniu um consenso absoluto e divide os peritos, uma vez que as análises sobre o impacto real destas tecnologias no desenvolvimento das crianças ainda se encontra numa fase algo embrionária.
Não fazer do tablet uma segunda ‘televisão’
Apesar de ainda não existirem provas concretas do valor educativo que um tablet pode proporcionar ao desenvolvimento de uma criança, uma das preocupações que os peritos levantam em relação ao uso destes equipamentos está diretamente relacionada com o tempo dispensado à sua utilização.
Se o mesmo for superior ao tempo gasto em interações com adultos, ou até mesmo a brincadeiras com aparelhos não-eletrónicos, o principal receio está na sua potencial interferência em atividades que promovam o seu desenvolvimento cerebral.
O excesso de tempo passado em frente a um ecrã pode apresentar riscos e conduzir a problemas de adaptação social, além de potencialmente contribuir para um desenvolvimento social mais tardio.
Isto não significa que não existe valor em aplicações ou jogos pedagógicos, mas sim riscos associados à utilização concedida aos dispositivos – se um tablet ou smartphone for utilizado maioritariamente para consumo de vídeos, por exemplo, os seus efeitos poderão aproximar-se mais aos provocados pelo consumo excessivo de televisão.
Parece haver um consenso, contudo, sobre a necessidade dos pais estarem presentes durante o consumo de conteúdos em dispositivos móveis. Os peritos defendem medidas como a limitação do tempo dispensado para a utilização de tablets, de forma a não interferir com atividades como o sono, a leitura ou a interacção com adultos.
“A coisa mais importante para as crianças é tempo [passado com] os pais e educadores”, de acordo com Dimitri Christakis, pediatra norte-americano, citado na Time. “Nada é mais importante em termos de desenvolvimento social. Se o tempo passado com o tablet vem à custa disso, isso não é positivo”.
Estas interferências em outras atividades podem resultar em efeitos colaterais negativos como um desenvolvimento da linguagem mais tardio, ou um retardamento do desenvolvimento social. Um dos motivos apontados está no facto de que a utilização destes dispositivos assenta frequentemente numa natureza solitária, e rouba tempo às crianças para fazerem novos amigos ou adquirirem competências sociais.
O outro lado da moeda revela-nos uma perspetiva mais positiva e otimista em relação à interação das crianças com dispositivos móveis. Existem pediatras que acreditam haver benefícios em tecnologias como estas, incluindo a sua facilidade de uso – uma criança pode ter facilidade em absorver e compreender uma tecnologia destas ainda antes de entrar na escola, entrando no ambiente escolar melhor preparada do que uma criança que nunca teve qualquer contacto pedagógico com nenhum destes aparelhos.
Por Lauro Lopes


domingo, 19 de janeiro de 2014

Atacar a constipação (conselhos práticos)

A maioria dos pediatras não gosta de prescrever anti-tússicos (vulgo xaropes para a tosse) em crianças e têm razões para isso. A maioria não são eficazes e alguns deles até produzem mais secreções, 'encharcando' a criança. Já há alguns anos que a Associação Americana de Pediatria (AAP) desaconselhou os os xaropes da farmácia em favor dos remédios caseiros. Este texto (em inglês) do website da AAP é muito útil, porque esclarece o que podemos e devemos fazer para a atacar a constipação em cada grupo etário. Eis o resumo com um twist de cirurgião:
  1. Nariz pingoso? Assoar, limpar e/ou aspirar. O uso de anti-histamínicos (Fenistil, Atarax, Aerius, entre outros) é controverso, pois parece ter apenas eficácia nas alergias. Pessoalmente, acho que tentar não custa (muito) e, quando há melhoria, mantenho.
  2. Nariz obstruído? Limpar com soro fisiológico. Isto pode ser feito através da instilação de gotas em cada uma das narina, seguido de aspiração, ou irrigação com spray de 'água do mar' (existem de diferentes forças, consoante a idade). A AAP não refere o uso de gotas de fenilefrina (vulgo Neo-sinefrina), mas eu uso no mais velho, ainda que só em desespero de causa.
  3. Tosse? Hidratar bem e 'fazer vapores' (com vaporizadores/nebulizadores ou apenas expondo a criança ao vapor de água do banho). Pretende-se com isto que as secreções se mantenham fluídas e que a criança tussa. Atenção! Nunca expor directamente nenhuma criança à água a ferver. É muito perigoso, porque, num instante, um movimento brusco leva a uma queimadura grave (ver aqui o que fazer). Se a criança tem mais que 1 ano, pode-se dar uma colher de mel à noite; se for maior de 6 anos, pode chupar rebuçados. (1)

Se a criança ainda não tem 3 meses, se a febre é de preocupar (ver aqui), se há a sensação de falta de ar ou se o seu 'olhómetro' lhe diz que não se trata de uma simples constipação, não tente isto em casa. Consulte o médico ou pediatra assistente.


[fonte: thefw.com]

(1) O artigo da AAP não refere, mas existe um estudo de 2010, afirma ainda que o uso de óleo de extractos de cânfora/mentol/eucalipto (vulgo Vicks VapoRub) aliviam a sintomatologia nocturna. No mesmo estudo, 46% apresentaram algum tipo de efeito adverso, geralmente irritação local ligeira. Mais, alguns receios de toxicidade limitam o seu uso a maiores de 2 anos.´

João Moreira Pinto cirurgião pediátrico in eosfilhosdosoutros.blogspot.pt 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

“É urgente brincar…”, sobretudo em idade pré-escolar!

“Privar uma criança de brincar é privá-la do prazer de viver”
Françoise Dolto


«Actualmente vivemos numa sociedade em que tudo se faz “a correr”… O tempo é um bem precioso e a gestão do mesmo acaba por ser uma arte de mestria. Esta constante vivência em “correria”, onde tudo é agendado ao minuto, contamina inevitavelmente o dia-a-dia das crianças, preenchido pela presença no jardim-de-infância ou na escola, e, simultaneamente, em inúmeras actividades extra-curriculares. A própria evolução urbanística conduz a uma vivência confinada a espaços físicos restritos e limitados (exp: o apartamento e os edifícios citadinos em que se situam os jardins de infância, escolas e pátios de recreio), acompanhados de muitas regras constantes e restritivas: “Está quieto”, “Não mexas nisso”, “Não te sentes no chão”, que “bombardeiam” as crianças todos os dias.

Também esta “pressa” e ânsia de acelerar processos que deveriam ser naturais ao longo do crescimento, conduz a um contacto cada vez mais precoce com aprendizagens excessivamente escolares (ainda em período pré-escolar), em detrimento de outras, que contribuem para a aquisição e desenvolvimento de competências psicossociais e de auto-regulação emocional. Mais importante do que saber ler, escrever ou contar quando se entra na escola, é fundamental aquirir e construir previamente uma matriz psicossocial individual segura, capaz de receber e transformar esses conteúdos escolares. Esta matriz passa por a criança ser minimamente autónoma e confiante para estar numa sala de aulas, respeitar figuras de autoridade e regras estabelecidas, interagir/comunicar com os outros (professor, funcionários, colegas, etc), colocar dúvidas, fazer perguntas, tomar decisões, criar soluções e resolver problemas.

Assim, frequentemente a actividade por excelência que as caracteriza – o brincar – fica esquecida no meio da rotina e da vivência diárias. Durante muito tempo pensou-se que brincar não teria utilidade biológica ou social, mas na realidade, brincar é, por excelência, um dos fenómenos mais comuns e naturais da infância, assumindo-se como uma forma de estabelecer interacções sociais e um meio poderoso de aprendizagem sobre o mundo. Ora, tal actividade fundamental não é específica do Homem, sendo igualmente partilhada por outras espécies.

Desta forma, a actividade lúdica permite estabelecer um elo de ligação entre as crianças sendo um poderoso auxiliar na construção da relação com os outros e com o meio que as rodeia. 

Detentora de um papel fundamental no desenvolvimento emocional, cognitivo e social, possibilita a estimulação da criatividade e o desenvolvimento da autonomia, da linguagem e de papéis sociais (fundamentais para a vida adulta), dotando a criança de maiores capacidades para pensar e resolver problemas. De facto, através do brincar a criança vai-se familiarizando com as regras sociais e tomando contacto com experiências novas: ela explora, pesquisa, experimenta e aprende. 

Experimenta com relativa segurança ou com o mínimo de riscos (porque são situações puramente imaginárias) novos comportamentos físicos ou sociais, num contexto familiar e contentor, com a vantagem dos comportamentos lúdicos serem, em grande parte revogáveis: o que se faz “a brincar” não tem as consequências habituais de um comportamento semelhante feito “a sério”. O jogo é algo com impunidade relativa e características não sérias. Toda e qualquer brincadeira requer que as crianças tenham consciência destes aspectos e que emitam e reconheçam o sinal que se traduz por: “isto é uma brincadeira…”.

Brincar permite ainda que a criança se mantenha fisicamente activa, que desenvolva a personalidade e as competências sociais, ajudando-a a lidar com emoções e sentimentos, possibilitando:
  • encenar experiências emocionais (por exemplo: separação dos pais, situações de luto, alterações significativas na vida da criança, sentimentos de alegria, tristeza, ciúme, medo, etc);
  • “libertar” tensões (por exemplo: alívio da dor, desconforto, frustração);
  • pesquisar (observar, explorar, descobrir);
  • treinar as competências de autonomia e de independência (actividade espontânea e voluntária, implicando empenhamento activo por parte da criança);
  • divertir-se (sem objectivos específicos, apenas algo agradável e positivo).
À medida que a criança cresce, assiste-se a uma evolução social de situações em que brinca sozinha, para brincadeiras cada vez mais cooperativas. Ser, ter, fazer, tomar, dar, amar, odiar, viver, morrer, todos estes verbos não ganham sentido senão através do jogo. O brincar assume, desta forma, uma preparação para as acções e comportamentos da idade adulta.
Por tudo isto, para além do espaço do jardim de infância/escola e das actividades extra-curriculares (predomínio das regras e de momentos organizados/estruturados) é também fundamental:
  • Aceitar e ter em conta que o brincar está presente desde o nascimento. Antes do aparecimento da linguagem a criança já comunica com os adultos através da mímica, nos gestos, nas actividades corporais e sensoriais. Por volta dos 3 meses um dos primeiros jogos com o adulto é o de esconder o rosto e mostrá-lo de novo, depois surgem actividades de exploração e manipulação dos objectos do meio, jogos em torno do ter e guardar (encher objectos com coisas que se transportam), e, mais tarde, jogos de fazer coisas (puzzles, construções). A partir da idade em que a criança começa a andar é necessário destacar em especial os jogos com água, areia, ou terra, aos jogos de enchimento e de esvaziamento de recipientes. Este é o momento da explosão da curiosidade investigadora e manipuladora dos objectos, tudo suscita perguntas e tudo se tenta agarrar, despedaçar, fragmentar.
  • Variar os brinquedos da criança. Quando a criança já descobriu as dificuldades de um jogo e as ultrapassou, poucas são as surpresas ou interrogações. É preciso variar os brinquedos e jogos de forma a estimular os sentidos, a criatividade e a inteligência da criança. Pode-se tentar fazer troca de brinquedos com outras crianças ou procurar ludotecas que ajudem nesse sentido. (Nota: aqui entendem-se jogos de ludoteca os livros para crianças, os jogos de construção, os jogos de motricidade, inventivos, criativos, de lógica, etc; não são de forma alguma incluídos os peluches, a boneca preferida, enfim, os brinquedos que são “os primeiros amores” da criança, que ela usa para adormecer, ou para se acalmar quando os pais estão ausentes).
  • Reforçar com os pais que o “tempo de qualidade” para a brincadeira é preferível ao “tempo de quantidade”. São preferíveis 15/20 m., por exemplo, em que os pais apenas focam a sua atenção no estar e brincar com a criança, do que ter 3 horas em que, no meio de outras tarefas, se vai falando e interagindo. Esses momentos de “qualidade” podem mesmo ser combinados com a criança, de modo a que esta perceba que, nesse tempo, o adulto vai estar disponível só para si.
  • A brincadeira não deve ter muitos “nãos” (por exemplo: “não corras”, “não saltes”, etc). Para brincar a criança tem que se sentir numa atmosfera segura e de não ameaça, portanto, a guarda contínua dos pais e/ou educadores podem dificultar a tarefa espontânea de brincar. As crianças precisam de limites para se sentirem seguras, mas isso não significa que não possam exprimir os seus desejos, as suas alegrias e as suas tristezas (que devem ser ouvidas pelo adulto).
  • Brincar ao ar livre, onde podem ser efectuadas actividades diferentes das realizadas no espaço físico limitado da casa, ou do jardim de infância/escola. O espaço envolvente representa para as crianças um desejo muito intenso, é a ânsia de mover-se, correr, descobrir coisas novas, enfim… sentir a vida quase através dos “poros da pele”. Porém, deve também ter-se em conta que algumas crianças brincam ficando apenas a olhar, ouvir, cheirar, sentir. São prazeres passivos, inteligentes, observadores, e, por vezes, mesmo meditativos.
  • Reduzir a pressão na aprendizagem de conteúdos escolares, ainda no período pré-escolar. Nesta fase o que se torna realmente necessário é que a criança brinque, consiga enquadrar-se e socializar com o grupo, que respeite as regras da sala, que aprenda a ouvir os outros, que se concentre numa actividade (jogo, desenho, história, etc) e a conclua dentro das suas capacidades, que desenvolva a motricidade, a criatividade e a capacidade de pensar sobre as coisas. Basicamente a criança necessita de crescer, ganhar maturidade e competências pessoais e sociais, para futuramente, estar mentalmente disponível para aprender a ler, escrever e contar, quando chegar o momento de ingressar na escola.»